Para a Quarta Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ), a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) pode ser retida como
medida para obrigar o devedor a fazer o pagamento de uma dívida. Em relação à
suspensão da CNH do devedor, o ministro Luis Felipe Salomão disse que a
jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de que referida medida não
ocasiona ofensa ao direito de ir e vir.
Para Salomão, neste ponto, o recurso não
deve nem ser conhecido, já que o habeas corpus existe para proteger o direito
de locomoção. “Inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue o
detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e qualquer lugar,
desde que não o faça como condutor do veículo”, afirmou Salomão.
O ministro admitiu que a retenção da CNH
poderia causar problemas graves para quem usasse o documento profissionalmente,
mas disse que, nesses casos, a possibilidade de impugnação da decisão seria
certa, porém por outra via diversa do habeas corpus, “porque sua razão não será
a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção”.
OUTROS CASOS
O relator destacou que o reconhecimento
da ilegalidade da medida consistente na suspensão do passaporte do paciente, na
hipótese em análise, não significa afirmar a impossibilidade dessa providência
coercitiva em outros casos.
“A medida poderá eventualmente ser
utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a
decisão, verificada também a proporcionalidade da providência”, destacou.
PASSAPORTE
Já a decisão sobre a retenção do
passaporte de um devedor foi apontada como desproporcional, determinada nos
autos de execução de título extrajudicial como forma de coagi-lo ao pagamento
da dívida. Por unanimidade, o colegiado deu parcial provimento ao recurso em
habeas corpus para desconstituir a medida.
A turma entendeu que a suspensão do
passaporte, no caso, violou o direito constitucional de ir e vir e o princípio
da legalidade.
O recurso foi apresentado ao STJ em
razão de decisão da 3ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (SP) que, nos autos da
execução de título extrajudicial proposta por uma instituição de ensino,
deferiu os pedidos de suspensão do passaporte e da Carteira Nacional de
Habilitação (CNH) do executado – até a liquidação da dívida no valor de R$
16.859,10.
MEDIDA POSSÍVEL
Segundo o relator, ministro Luis Felipe
Salomão, a retenção do passaporte é medida possível, mas deve ser fundamentada
e analisada caso a caso. O ministro afirmou que, no caso julgado, a coação à
liberdade de locomoção foi caracterizada pela decisão judicial de apreensão do
passaporte como forma de coerção para pagamento de dívida.
Para Salomão, as circunstâncias fáticas
do caso mostraram que faltou proporcionalidade e razoabilidade entre o direito
submetido (liberdade de locomoção) e aquele que se pretendia favorecer
(adimplemento de dívida civil).
“Tenho por necessária a concessão da
ordem, com determinação de restituição do documento a seu titular, por
considerar a medida coercitiva ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o
direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável”,
afirmou.
MEDIDAS ATÍPICAS
Salomão afirmou ser necessária a
fixação, por parte do STJ, de diretrizes a respeito da interpretação do artigo
139, IV, do Código de Processo Civil de 2015.
De acordo com o ministro, o fato de o
legislador ter disposto no CPC que o juiz pode determinar todas as medidas
indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, “não pode significar
franquia à determinação de medidas capazes de alcançar a liberdade pessoal do
devedor, de forma desarrazoada, considerado o sistema jurídico em sua
totalidade”.
“Ainda que a sistemática do código de
2015 tenha admitido a imposição de medidas coercitivas atípicas, não se pode
perder de vista que a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição
Federal, que resguarda de maneira absoluta o direito de ir e vir, em seu artigo
5º, XV”, frisou o relator.
Mesmo assim, o ministro afirmou que a
incorporação do artigo 139 ao CPC de 2015 foi recebida com entusiasmo pelo
mundo jurídico, pois representou “um instrumento importante para viabilizar a
satisfação da obrigação exequenda, homenageando o princípio do resultado na
execução”.
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