Entre os anos de 1973 e
1975, os cadáveres foram destruídos na Usina Cambahyba, em Campos, por Cláudio
Antônio Guerra
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou o
ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), Cláudio Antônio
Guerra, de 79 anos, pelo crime previsto no artigo 211 do Código Penal, por
ocultação e destruição de 12 cadáveres, nos anos entre 1973 e 1975, por meio de
incineração em fornos da Usina Cambahyba, em Campos, Norte-Fluminense.
Sob a forma de confissão espontânea,
depoimentos reunidos no livro Uma Guerra Suja, Cláudio Antônio Guerra relata
que de 1973 a 1975, recolheu no imóvel conhecido como “Casa da Morte”, em
Petrópolis (RJ), e no Destacamento de Operação de Informação e Centro de
Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), na Tijuca, os corpos de 12 pessoas,
levando-os para o município de Campos dos Goytacazes (RJ), onde foram
incinerados, por sua determinação livre e consciente, nos fornos da Usina
Cambahyba.
Para o MPF, Cláudio Antônio Guerra agiu
por motivo torpe (uso do aparato estatal para preservação do poder contra
opositores ideológicos), visando assegurar a execução e sua impunidade, com
abuso do poder inerente ao cargo público que ocupava. “Assim, com o objetivo de
assegurar a impunidade de crimes de tortura e de homicídio praticados por
terceiros, com abuso de poder e violação do dever inerente do cargo de delegado
de polícia que exercia no Estado do Espírito Santo, foi o autor intelectual e
participante direto na ocultação e destruição de cadáveres de pelo menos 12
pessoas, nos anos de 1974 e 1975”, argumenta o procurador da República
Guilherme Garcia Virgílio, autor da denúncia.
Além da condenação pelos crimes
praticados, pede-se o cancelamento de eventual aposentadoria ou qualquer
provento de que disponha o denunciado em razão de sua atuação como agente
público, dado que seu comportamento se desviou da legalidade, afastando
princípios que devem nortear o exercício da função pública.
Provas
A confirmação nominal dos corpos levados
por Cláudio Antônio Guerra para incineração ocorreu em diversos depoimentos
prestados à Procuradoria da República no Espírito Santo. Além da confissão,
testemunhas e documentos confirmaram a autenticidade dos relatos de Cláudio
Guerra.
As doze pessoas citadas por Cláudio
constam na lista de 136 pessoas dadas por desaparecidas da Lei 9.140 de 1995,
que “reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação ou
acusação de participação em atividades políticas, no período de 2 de setembro de
1961 a 15 de agosto de 1979”.
O MPF argumenta que não se pode considerar
os crimes praticados pelo ex-delegado na Lei da Anistia, tendo em vista que a
referida lei trata de crimes com motivação política. “Não importa sob que
fundamentos ou inclinações poderiam pretender como repressão de ordem
partidária ou ideológica, sendo certo que a destruição de cadáveres não pode
ser admitida como crime de natureza política ou conexo a este”, pontua.
Destaca-se ainda que sentença prolatada
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Gomes Lund versus
Brasil, em 24 de novembro de 2010, a qual estabeleceu para o país a obrigação
de investigar não apenas o episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia, mas
também outros episódios de igual natureza, visando a identificação dos autores
materiais e intelectuais do desaparecimento forçado de pessoas, não se
aplicando, a esses casos, a Lei da Anistia, tendo em vista o caráter permanente
de crimes que, por constituírem crime de lesa-humanidade, não são abrangidos
pelo ordenamento doméstico, seja por anistia ou por prescrição.
Incineração dos corpos
Em seu depoimento, Cláudio Antônio relatou
que havia preocupação nos órgãos de informação, por parte dos coronéis Perdigão
e Malhães, de que os corpos daqueles que eram eliminados pelo regime acabassem
descobertos, movimentando a imprensa nacional e internacional. Ele narrou que
uma das estratégias de sumir com os corpos consistia em arrancar parte do
abdômen das vítimas, evitando, com isso, a formação de gases que poderia fazer
com que o corpo emergisse. Ainda segundo ele, os rios constituíam a preferência
para afundamento dos corpos, dado que no mar “a onda traz de volta”.
Nesse contexto, Cláudio informou que
sugeriu o forno da Usina Cambahyba, como forma de eliminação sem deixar
rastros, dado que já utilizava a usina e seus canaviais para desova de
criminosos comuns, do Espírito Santo, em razão de sua amizade com o
proprietário da usina.
Para retirar os corpos na Casa da Morte,
Cláudio relatou que encostava o carro no portão e recebia, em seguida, de dois
ou três militares, os corpos ensacados em sacos plásticos. Ao chegar na Usina,
passavam os corpos para outro veículo, que ia até próximo dos fornos, sendo
então colocados na boca do forno e empurrados com um instrumento que lembrava
uma pá, e, ainda, que o cheiro dos corpos não chamava atenção por causa do
forte cheiro do vinhoto.
Foi realizada em 19/08/2014,
reconstituição no local, com a presença de Cláudio Antônio Guerra, com a
confirmação de que a abertura dos fornos era suficientemente grande para
entrada de corpos humanos.
Da assessoria da Procuradoria da República
no Rio de Janeiro
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