Uma operação de fiscalização resgatou nove
pessoas da escravidão em uma plantação de cebolas, em Ituporanga, interior de
Santa Catarina. Cinco deles faziam parte de um grupo de 46 trabalhadores rurais
que acreditou nas promessas de três meses de serviço bom e despesas pagas
divulgadas por um carro de som nas ruas de Timbiras, no Maranhão.
Cada um pagou R$ 50 ao intermediador de mão
de obra para garantir a oportunidade, entrou em um ônibus e seis dias e 3.345
quilômetros depois, chegou à cidade no Vale do Itajaí - onde, na rodoviária, fazendeiros
os esperavam.
"Sem saber, pagaram para entrar no
ônibus e serem explorados", afirma o coordenador da ação, o auditor fiscal
do trabalho Cláudio Secchin. O grupo de fiscalização móvel também contou com a
participação do Ministério Público do Trabalho, da Defensoria Pública da União
e da Polícia Federal.
"Eu quero os meus dez que
comprei." Trabalhadores repetiram, indignados, aos fiscais a frase dita
por um dos empregadores antes de levar sua "encomenda", ou seja, seus
colegas de viagem, embora.
Um dos resgatados mantinha contato
frequente com a mãe por mensagens de WhatsApp. Preocupada com a situação do
filho, ela procurou socorro através da Rede de Ação Integrada de Combate à
Escravidão (Raice) no Maranhão. Com isso, a Comissão Pastoral da Terra (CPT)
fez uma denúncia à Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério da
Economia e um grupo móvel se deslocou para fiscalizar a propriedade - o que
culminou no resgate dos nove.
Nenhum desses fazia parte do grupo dos dez
levados pelo fazendeiro. Esses não foram encontrados.
A notícia se espalhou pela cidade, o que
dificultou outros flagrantes. "Trabalhadores nos disseram que assim que os
'homens' souberam da fiscalização em uma das fazendas, mandaram todos saírem da
lavoura", afirma o auditor fiscal Henrique Mandagará.
"Ouvir de um trabalhador que os
fazendeiros vinham buscar o que tinham comprado remete à imagem que a sociedade
tem da escravidão antiga", destaca a auditora Vanusa Vidal Zenha. Os
maranhenses resgatados eram negros.
Despesas da viagem foram usadas para
desconto no salário dos trabalhadores, o que é proibido por lei. De acordo com
Cláudio Secchin, trabalhadores começavam devendo também por conta do
adiantamento para compra da parte da alimentação que não era fornecida e de
equipamentos de proteção individual.
Na denúncia, segundo a CPT, o fazendeiro se
negava a informar quanto os trabalhadores tinham colhido. A promessa era de
ganharem R$ 6 por cada mil mudas de cebola plantadas.
Estavam alojados sob péssimas condições de
higiene, alguns dormindo no chão, em uma casa caindo aos pedaços, com goteiras
e sob o frio de 2º graus do inverno, sem nada para se proteger, segundo o coordenador
da fiscalização. "Nenhum trabalhador possuía registro e, consequentemente,
eles estavam
sem direitos trabalhistas, previdenciário
ou social", disse.
Ao contrário das grandes fazendas que,
normalmente são o palco de operações de trabalho escravo, a propriedade tinha
seis hectares - como muitas outras na região que também dependem dessa mão de obra.
Tanto que, na mesma semana, 18 trabalhadores
trazidos do Ceará foram resgatados também de uma plantação de cebola na mesma
Ituporanga. E também foram aliciados sob promessas fraudulentas de bons salários
e boas condições de alojamento e alimentação.
O grupo foi encontrado pela Polícia Militar.
Como o resgate não foi feito pelo sistema público de combate à escravidão, até
agora não há informações a respeito do pagamento de direitos aos trabalhadores.
Mais do que um problema pontual de um
empregador, isso aponta um sistema de produção que ancora a competitividade na
superexploração do trabalho.
A operação obrigou o pagamento dos salários
e verbas rescisórias, que somaram cerca de R$ 90 mil. O empregador bancou o
retorno dos cinco de Timbiras de volta ao Maranhão. Eles devem receber três parcelas
de seguro-desemprego aos quais os resgatados têm direito. A coluna não
conseguiu contato com o empregador.
Com
informações de Leonardo Sakamoto/UOL
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