"Não constitui excludente de culpabilidade a eventual convocação das Forças Armadas para a 'defesa da lei e da ordem', quando realizada fora das hipóteses legais", lembra o ministro
O
ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, publica neste
domingo um importante alerta para todos aqueles que estejam eventualmente
planejando um golpe de estado ou um ataque a outros poderes no dia 7 de
setembro.
"No
Brasil, como reação ao regime autoritário instalado no passado ainda próximo, a
Constituição de 1988 estabeleceu, no capítulo relativo aos direitos e garantias
fundamentais, que 'constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de
grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado
democrático'”, escreve o ministro, em artigo publicado na Folha.
"O
projeto de lei há pouco aprovado pelo Parlamento brasileiro, que revogou a Lei
de Segurança Nacional, desdobrou esse crime em vários delitos autônomos,
inserindo-os no Código Penal, com destaque para a conduta de subverter as
instituições vigentes, 'impedindo ou restringindo o exercício dos poderes
constitucionais'. Outro comportamento delituoso corresponde ao golpe de Estado,
caracterizado como 'tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o
governo legitimamente constituído'. Ambos os ilícitos são sancionados com penas
severas, agravadas se houver o emprego da violência", lembra ainda o
ministro.
"E
aqui cumpre registrar que não constitui excludente de culpabilidade a eventual
convocação das Forças Armadas e tropas auxiliares, com fundamento no artigo 142
da Lei Maior, para a 'defesa da lei e da ordem', quando realizada fora das
hipóteses legais, cuja configuração, aliás, pode ser apreciada em momento
posterior pelos órgãos competentes", destaca o ministro. "Como se vê,
pode ser alto o preço a pagar por aqueles que se dispõem a transpassar o
Rubicão", finaliza.
Leia a íntegra do artigo publicado neste domingo na
Folha de S. Paulo
Intervenção
armada: crime inafiançável e imprescritível
Na Roma antiga existia uma lei segundo a qual nenhum
general poderia atravessar, acompanhado das respectivas tropas, o rio Rubicão,
que demarcava ao norte a fronteira com a província da Gália, hoje
correspondente aos territórios da França, Bélgica, Suíça e de partes da
Alemanha e da Itália.
Em 49 a.C., o general romano Júlio César, após
derrotar uma encarniçada rebelião de tribos gaulesas chefiadas pelo lendário
guerreiro Vercingetórix, ao término de demorada campanha transpôs o referido
curso d'água à frente das legiões que comandava, pronunciando a célebre frase: "A
sorte está lançada".
A ousadia do gesto pegou seus concidadãos de
surpresa, permitindo que Júlio César empalmasse o poder político, instaurando
uma ditadura. Cerca de cinco anos depois, foi assassinado a punhaladas por
adversários políticos, dentre os quais seu filho adotivo Marco Júnio Bruto,
numa cena imortalizada pelo dramaturgo inglês William Shakespeare.
O episódio revela, com exemplar didatismo, que as
distintas civilizações sempre adotaram, com maior ou menor sucesso, regras
preventivas para impedir a usurpação do poder legítimo pela força, apontando
para as severas consequências às quais se sujeitam os transgressores.
No Brasil, como reação ao regime autoritário
instalado no passado ainda próximo, a Constituição de 1988 estabeleceu, no
capítulo relativo aos direitos e garantias fundamentais, que "constitui
crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis e
militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático".
O projeto de lei há pouco aprovado pelo Parlamento
brasileiro, que revogou a Lei de Segurança Nacional, desdobrou esse crime em
vários delitos autônomos, inserindo-os no Código Penal, com destaque para a
conduta de subverter as instituições vigentes, "impedindo ou restringindo
o exercício dos poderes constitucionais". Outro comportamento delituoso
corresponde ao golpe de Estado, caracterizado como “tentar depor, por meio de
violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Ambos os ilícitos
são sancionados com penas severas, agravadas se houver o emprego da violência.
No plano externo, o Tratado de Roma, ao qual o Brasil
recentemente aderiu e que criou o Tribunal Penal Internacional, tipificou como
crime contra a humanidade, submetido à sua jurisdição, o "ataque,
generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil", mediante a
prática de homicídio, tortura, prisão, desaparecimento forçado ou "outros
atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande
sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou
mental".
E aqui cumpre registrar que não constitui excludente
de culpabilidade a eventual convocação das Forças Armadas e tropas auxiliares,
com fundamento no artigo 142 da Lei Maior, para a "defesa da lei e da
ordem", quando realizada fora das hipóteses legais, cuja configuração,
aliás, pode ser apreciada em momento posterior pelos órgãos competentes.
A propósito, o Código Penal Militar estabelece, no
artigo 38, parágrafo 2º, que "se a ordem do superior tem por objeto a
prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da
execução, é punível também o inferior".
Esse mesmo entendimento foi incorporado ao direito
internacional, a partir dos julgamentos realizados pelo tribunal de Nuremberg,
instituído em 1945, para julgar criminosos de guerra. Como se vê, pode ser alto
o preço a pagar por aqueles que se dispõem a transpassar o Rubicão.
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