Dados do IBGE revelam excluídos educacionais até em cidades grandes
Carla Rocha
RIO - São apenas cinco letras, mas
rabiscá-las é um tremendo desafio. Com um caderno sobre as pernas, Mário, de 11
anos, quase desenha seu nome, a única palavra que sabe escrever, manuseando o
lápis sem intimidade. O nome é fictício, a história, real. A deslumbrante
paisagem que se vê da casa do menino, que só entrou para a escola há cerca de
um mês, revela um problema que ainda persiste mesmo nos estados mais ricos. O
franzino Mário vive seu drama particular no Morro do Vidigal, em São Conrado,
debruçado sobre os bairros de maior renda do Rio.
Os números do Censo do IBGE mostram que,
apesar de o problema ser mais grave nas regiões Norte e Nordeste, nenhum estado
conseguiu até hoje incluir todas as crianças de 6 a 14 anos na escola. Esta
população de não estudantes representa 3% do total da faixa etária. Pode
parecer um percentual pequeno, mas é grave quando se considera que é quase um
milhão de crianças que ainda não têm garantido um de seus direitos mais
básicos, previsto pela Constituição de 1988: estudar. Se a esse grupo forem
incorporados as crianças de 4 e 5 anos e os jovens de 15 a 17 (que passam a
fazer parte da faixa etária de escolaridade obrigatória a partir de 2016), o
número aumenta para 3,8 milhões, ou 8% do total.
Tabulações feitas pelo GLOBO nos
microdados do Censo mostram que o problema é maior entre os mais pobres e
crianças com algum tipo de deficiência. Os números também revelam que a maioria
(62%) das crianças que não estudam dos 6 aos 14 chegou um dia a frequentar a
escola, mas abandonou os estudos. O problema é ainda mais grave se consideradas
as faixas etárias de 4 e 5 anos e de 15 a 17, que desde 2009 passaram a ser
também obrigatórias, mas com prazo para adequação dos sistemas até 2016.
As razões mais citadas por especialistas
para isso são falta de interesse, repetência, gravidez precoce e necessidade de
trabalhar.
Mas há situações difíceis de entender.
Como a de Mário (nome fictício). No Morro do Vidigal, há uma creche municipal e
uma escola, a poucos metros da casa dele. Tímido, ele é um menino saudável,
apto a aprender e que não esconde de ninguém que queria muito, muito estudar.
— Agora eu estou feliz — sorri e mais
não diz o menino, que não conhece sequer o “i”, uma das vogais de seu nome (o
verdadeiro também tem a letra). Ele revela apenas o que pretende fazer com os
conhecimentos que começa a adquirir com seu primeiro professor. — Quero ler
jornal e gibi.
Ex-representante da Unesco no Brasil e
doutor em Educação pela Universidade de Stanford, o assessor internacional para
a área de educação, Jorge Werthein, diz que o primeiro passo, nada fácil, é
identificar essas crianças e adolescentes.
— O Brasil é um país de contrastes. Há
estados importantes com uma grande periferia urbana e muitas desigualdades
econômicas. Há estados com uma área rural significativa que sofrem com a falta
de escolas. Num país continental, é uma tarefa árdua chegar a essas crianças e
adolescentes por estado, por capital, por região metropolitana. Mas é preciso
achá-los e depois convencê-los a ingressar ou a voltar para a escola — diz.
— Depois, nós temos que repensar a
escola para que ela seja um espaço não apenas prazeroso, mas em que os alunos
sintam que estão aprendendo. Uma escola ruim em qualquer lugar do mundo expulsa
os alunos, com repetências e abandono. Deixa para eles a mensagem de que não
são capazes, o que marca de forma brutal meninos e meninas — completa Werthein.
— Houve uma evolução inegável nos
últimos dez anos. Mas ainda há muita criança fora da escola, situação agravada
pelas desigualdades. Entre 4 e 5 anos, há 83% estudando no Sudeste, o que ainda
é ruim, mas pior é haver só 69% dentro de sala de aula no Norte — afirma Andrea
Bergamaschi, do movimento Todos pela Educação. — Para reverter este quadro,
precisamos de políticas públicas cirúrgicas, específicas para cada situação
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