"Eles fizeram contrato comigo como se eu fosse funcionária deles [da empresa], só que eles nunca me permitiram trabalhar e aí eu ganhava", diz a jornalista
NATUZA NERY
EDITORA DO PAINEL/FOLHA
A jornalista Mirian Dutra Schmidt, 55,
com quem Fernando Henrique Cardoso manteve um relacionamento amoroso, sustenta
que o ex-presidente da República bancou despesas de seu filho Tomás no exterior
por meio de uma empresa.
Em entrevista à Folha, ela afirma que
esses pagamentos coincidiram com o período em que FHC comandava o país
(1994-2002), mas não quis revelar a identidade da companhia.
Garantiu ter provas para atestar o que
diz. De Madri, onde mora, Mirian falou longamente com a reportagem por
telefone. "Eu não quero morrer amanhã e tudo isso ficar na tumba. Eu quero
falar e fechar a página", afirma.
Fernando Henrique admitiu manter contas
no exterior e ter mandado dinheiro para Tomás, mas nega ter usado empresa para
bancar a jornalista (leia abaixo).
Folha
- Por que decidiu falar, depois de 30 anos?
Mirian Dutra - Para mim foi muito
difícil. É muito complicado porque a minha vida inteira sempre foi trabalho e,
de repente, essa história pessoal cruzou a minha vida.
Como
foi a história de vocês?
Eu o conheci em janeiro de 1985, quando
Tancredo [Neves] estava no hospital. Eu estava jantando no restaurante
Piantella [em Brasília] com vários amigos jornalistas e ele entrou sozinho. Um
amigo jornalista o convidou para a nossa mesa.
Logo que a gente se conheceu, um mês
depois, ele disse para mim, era o governo Sarney: "Vai ter espaço para
mim. Eu tenho que ser presidente. Só eu tenho capacidade para levar este
país".
Dei a entrevista à revista
"BrazilcomZ" para desmentir tudo o que escreveram ao meu respeito. Eu
quero que meu nome não fique numa rede social como uma rameira. Eu fui uma
pessoa apaixonada por um homem. Quando tentei sair
Descobriu
que estava grávida
Eu estava grávida de quase três meses.
Eu não estava aguentando mais essa história toda de ser amante, de ser a outra.
Aí eu fiquei quieta, esperei ele voltar [de viagem] e, quando voltou, foi
jantar na minha casa.
Quando disse que estava grávida, ele
disse "você pode ter este filho de quem você quiser, menos meu". Eu
falei: "não acredito que estou escutando isso de uma pessoa que está há
seis anos comigo".
Ele
pediu para você abortar?
Pediu. Óbvio. "Eu te pago o aborto
agora", disse. Aliás, vou te contar uma coisa mais séria ainda. Durante os
seis anos com ele, fiquei grávida outras duas vezes, e eu abortei.
Ele
soube?
Ele pagou. Pagou por dois abortos. Eu
não queria ter outro filho, eu tinha minha filha estava muito feliz. Nunca pude
tomar pílula, colocar DIU [método intrauterino], porque tenho um problema de
rejeição absoluta a hormônio que venha de fora. Ele sabia disso.
O
que houve a partir daí?
Aí que, pela primeira vez, em seis anos,
ele deixa de falar comigo. Porque sentiu que a decisão era firme. Aí eu disse
que não tinha que contar para ninguém quem era o pai, que era livre e
desimpedida.
Ficaram
sem se falar até o nascimento do seu filho?
Ele foi umas duas ou três vezes na minha
casa. Quinze dias depois do nascimento, ele foi me visitar. Minha mãe estava lá
[em casa] quando ele foi conhecer o filho. Só que eu tinha decidido que eu iria
embora [do Brasil]. Aí antecipei todos os meus planos e meio que fugi mesmo.
Lembro que, quando do impeachment do Collor, vi esse homem [FHC] lambendo as
botas do Itamar [Franco], que ele criticava a vida inteira. Fui buscar trabalho
em Portugal. Recebi ajuda do [ex-senador] Jorge Bornhausen, que era meu amigo
de Santa Catarina.
Mas
ele reconheceu o filho...
Nunca fez.
Por
que você não o desmentiu à época?
Em 2009, ele foi para os Estados Unidos
e simplesmente colocou na cabeça do Tomás que o Tomás não poderia contar para
mim, mas que iriam fazer um DNA. Ele visitava o Tomás nos EUA depois da
Presidência. Mas nunca foi criado com pai nenhum. Nunca me casei, nunca tive
namorado, esse departamento [namoro] se encerrou na minha vida.
Ele
bancou seu filho fora do Brasil?
Quando Tomás fez três anos de idade,
isso foi mais ou menos em 1994, aceitei que ele pagasse o colégio do Tomás,
pois queria que ele estudasse num bom colégio. A partir daí, ele pagou. Quando
vim para Barcelona, que é quando eu digo que fui exilada, porque eu queria
voltar para o Brasil e não permitiram que eu voltasse...
Quem
não permitiu?
[O então senador] Antonio Carlos
Magalhães pediu para que eu não voltasse para o Brasil, o Luís Eduardo
Magalhães [filho de ACM]. Diziam para ficar longe. Diziam "deixa a gente
resolver essas coisas aqui". Aí eu pensei e achei que, para os meus
filhos, era melhor eu ficar [no exterior], pois eles seriam muito perseguidos
no Brasil.
Eu tinha que ter metido a boca no
trombone no começo. Eles não aceitaram porque estavam em plena história da
reeleição. Isso isso foi quando Fernando Henrique estava tentando mudar a
Constituição. É uma coisa estranha porque eu lembro que quando [José] Sarney
quis ficar cinco anos, ele estava na minha casa jantando e deu um baile:
"como este homem pode ficar cinco anos? O poder tem que ser quatro anos, e
renovável". E aí tem uma história muito cabeluda nisso tudo, que ele, por
meio de uma empresa, mandava um dinheiro para mim.
Que
empresa?
Não sei se eu posso falar. Não quero
falar. Foi por meio de uma empresa que ele bancou.
Você
não quer nominar, mas tem como provar? Algum recibo?
Tenho. Tenho contrato. Tudo guardado
aqui. É muito sério. Por que ninguém nunca investigou isso? Por que ninguém
nunca investigou as contas que o Fernando Henrique tem aqui fora?
Contas?
Claro que ele tem contas. Como ele deu,
em 2015, um apartamento de € 200 mil para o filho que ele agora diz que não é
dele? Ele deu um apartamento para o Tomás.
O
exame de DNA diz que o Tomás não é filho dele...
É dele [e gargalha]. É óbvio que é dele.
Você
afirma então que ele forjou o exame de DNA?
Não estou afirmando nada, mas tudo me
parece muito estranho, porque eu nunca me neguei a fazer o exame de DNA. Não
vou afirmar porque isso seria uma irresponsabilidade da minha parte. Além do
mais, uma mulher sabe quem é o pai. A não ser que provem que Deus é o pai do
meu filho.
Você
teve alguma outra relação no período?
Claro que não.
Gostaria
de voltar à empresa. Como foi esse acerto para você receber esse dinheiro?
O ex-marido da minha irmã, o Fernando Lemos
[morto em 2012], era o maior lobista de Brasília e era ele quem conseguia tudo.
Eu sempre fui muito ingênua nessas coisas. Eu não devia nada a ninguém, por que
eu ficaria cheia de pecados e pruridos? Eles fizeram contrato comigo como se eu
fosse funcionária deles [da empresa], só que eles nunca me permitiram trabalhar
e aí eu ganhava.
Isso
acabou quando?
Dois anos depois que ele saiu do
governo.
Por
que você nunca expôs essa história? Você, como jornalista, não sabia que era
irregular uma empresa pagar em nome do presidente?
Eu acho que eu tinha que ter feito um
escândalo quando eu fiquei grávida. Depois, as coisas foram acontecendo,
entendeu? Meus filhos ficaram maiores e eu já não podia ficar fazendo tanta
confusão.
E
por que você decidiu falar agora?
Porque eu estou cansada de ver pessoas
escrevendo coisas erradas, essa história do DNA. Estou cansada de tudo isso. Eu
não quero morrer amanhã e tudo isso ficar na tumba. Eu quero falar e fechar a
página. E quero tentar ser feliz, porque eu não consegui até hoje.
Alguém
está por trás de sua quebra de silêncio?
Ninguém. Eu vivo absolutamente sozinha
na Espanha, nunca vivi tão sozinha como agora. Vivo com um cachorrinho chamado
Xico, com X, não tenho vida social, não tenho nada, até pela minha fibromialgia
e pela polipose adenomatosa. Eu não estou falando isso para tirar proveito de
absolutamente nada. Estou lavando a minha alma. É muito difícil você ser
xingada por milhões de pessoas e não vou deixar isso acontecer mais. Não podia
entrar na justiça contra porque eu trabalhava na TV Globo.
E
agora que não trabalha mais lá você optou por falar...
Exatamente. Eu agora não devo mais nada
a ninguém.
OUTRO
LADO
O ex-presidente da República Fernando
Henrique Cardoso (PSDB-SP) admitiu manter contas no exterior, ter mandado
dinheiro para Tomás e ter lhe presenteado recentemente com um apartamento de €
200 mil em Barcelona, na Espanha.
O ex-presidente diz que os recursos
enviados a Tomás – tanto para a compra do apartamento, quanto para ajudá-lo em
seus estudos– provêm de "rendas legítimas" de seu trabalho,
depositadas em contas legais e declaradas ao Imposto de Renda.
Segundo ele, as contas estão
"mantidas no Banco do Brasil em Nova York e Miami ou no Novo Banco, em
Madri, quando não em bancos no Brasil".
"Nenhuma outra empresa, salvos as
bancárias já referidas, foi utilizada por mim para fazer esses
pagamentos", afirma FHC.
O ex-presidente diz ainda que o repasse
dos recursos para que Tomás comprasse o apartamento em Barcelona foi feito por
meio de transferências de sua conta bancária no Bradesco "com o
conhecimento do Banco Central" brasileiro.
DNA
Embora Mirian negue, FHC diz ter reconhecido
Tomás em 2009, o ex-presidente afirma ter feito dois testes de DNA nos Estados
Unidos.
"[Com] o propósito de dar
continuidade a meu desejo de fundamentar declarações feitas por mim em Madri de
que Tomás seria meu filho", declarou o ex-presidente.
"Para nossa surpresa, o primeiro
teste deu negativo, daí [fizemos] o segundo, que também comprovou que não sou
pai biológico do referido jovem", declarou FHC.
Mirian diz que os testes foram feitos
sem que ela soubesse e que o ex-presidente pediu para que Tomás não lhe
contasse nada.
FHC rebate as afirmações da jornalista
dizendo que se dispôs a fazer outro teste de DNA e, mesmo diante dos resultados
negativos, procurou manter "manter as mesmas relações afetivas e materiais
com o Tomás".
O ex-presidente afirma ainda que,
"quando possível", atende Tomás nas necessidades afetivas.
O ex-presidente não respondeu a acusação
de que teria pagado para que Mirian fizesse dois abortos antes da gravidez de
Tomás.
Declarou apenas: "Questões de
natureza íntima, minhas ou de quem sejam, devem se manter no âmbito privado a
que pertencem".
Sobre Mirian afirmar que [o então
senador baiano] Antonio Carlos Magalhães pediu para que a TV Globo não a
mandasse de volta ao Brasil para, segundo ela disse, "ficar longe" de
FHC, o ex-presidente diz desconhecer detalhes da vida profissional da
jornalista.
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