Ao
'Estado', procurador-geral da República minimiza anúncio de força-tarefa da
Lava Jato sobre renúncia e fala em declaração 'no calor' do momento: 'sociedade
espera avanços, não recuos'
Beatriz
Bulla,
O
Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - "Inacreditável." É
a palavra usada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sobre a
tentativa do presidente do Senado, Renan Calheiros, de colocar em votação ainda
na noite da quarta-feira, 30, o pacote de medidas originalmente contra a
corrupção aprovado na Câmara dos Deputados. "Me recuso a acreditar que
tenha havido uma manobra para, abusando do cargo que exerce, conseguir algum
retorno para si próprio", disse Janot, em entrevista por telefone ao
Estado, citando o julgamento de Renan pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
previsto para acontecer nesta quinta-feira, 1.
Da China, onde participa de encontro dos
procuradores-gerais dos países que compõem os Brics, Janot disse que ainda não
conversou com a equipe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Na quarta, os
procuradores que integram o grupo ameaçaram renunciar caso o projeto passe no
Senado da forma como está e venha a ser sancionado pelo presidente da
República, Michel Temer. O procurador-geral avalia que a força-tarefa teve essa
reação "no calor da notícia". "A sociedade brasileira espera de
nós não um recuo, espera que continuemos caminhando", afirmou.
Sobre a votação na Câmara, Janot afirmou
que "as 10 medidas contra a corrupção morreram e, ao invés delas, o que
veio foi um instrumento de pressão sobre o Ministério Público e a
magistratura". "O que houve foi um massacre." Autointitulado um
"otimista incorrigível", o procurador-geral disse que confia na
possibilidade de reverter a situação. "O caminho é longo", disse.
Segundo ele, depois da votação no Senado ainda há a chance de veto presidencial
e, depois, a possibilidade de questionar o texto no STF.
Veja
abaixo principais trechos da entrevista:
Estado
- Como avaliou a tentativa do presidente do Senado, Renan Calheiros, de votar o
projeto anticorrupção ainda ontem, no mesmo dia em que o texto alterado passou
na Câmara?
Rodrigo Janot - Achei inacreditável. Eu não quero crer que, a
escopo de aprovar uma lei de abuso de autoridade, um presidente de Poder possa
ter abusado do poder para atingir interesses que não sei quais são. Continuo
confiando nas instituições do Brasil, no Senado da República, muito atento aos
anseios da sociedade. Me recuso a acreditar que tenha havido uma manobra para,
abusando do cargo que exerce, conseguir algum retorno para si próprio.
Qual
retorno sugere que Renan conseguiria para ele mesmo?
Não sei. Me recuso a acreditar que tenha
sido uma retaliação pelo fato de uma denúncia oferecida contra ele estar sendo
julgada exatamente hoje pelo Supremo Tribunal Federal. Me nego a acreditar
nisso.
O
sr. diz que confia no Senado. Mas também falou que confiava na Câmara e veio
essa mudança na votação do pacote. O que vai fazer para evitar uma nova
surpresa negativa, agora no Senado?
Sempre nos dispomos a dialogar, a conversar.
Trouxemos ao conhecimento da Câmara, da comissão que estudou essas 10 medidas
todo o normativo internacional que dá suporte às medidas. Nessas 10 medidas não
estamos inventando nada, nada, nada. Essas medidas têm suporte na Convenção de
Mérida, na Convenção, na Convenção de Palermo.
Restou
algo original das 10 medidas defendidas pelo Ministério Público?
O que a Câmara fez foi absolutamente
dizimar as 10 medidas. Não existem mais, acabou tudo. O que houve foi um massacre. Houve a recusa
pela recusa. Todas as medidas foram rechaçadas. Essas medidas não se destinavam
exclusivamente à investigação e combate à corrupção, mas à investigação do
crime organizado, de terrorismo. Eram instrumentos penais importantes para
atuação do MP também em corrupção, mas não só. Eu fico estarrecido quando a
Câmara não tem a sensibilidade de entender o que o povo quer. Foram 2,4 milhões
assinaturas e milhões de manifestações de pessoas aprovando essas medidas.
Sempre disse: essas medidas não são ponto de chegada, são ponto de partida. Se
existem dúvidas, vamos aperfeiçoar. Agora, não vamos aniquilar. O que houve foi
o não pelo não. As 10 medidas contra a corrupção morreram e, ao invés dela, o
que veio foi um instrumento de pressão sobre o MP e magistratura.
O
que incomoda o MP e o Judiciário na instituição do abuso de autoridade?
Óbvio que todos querem uma lei de abuso
de autoridade. Queremos uma lei moderna, eficiente, que atenda o contexto da
sociedade atual. Mas sem essa correria. Uma lei que tipifica crime de
hermenêutica nem no nazismo e no fascismo era admitida. Fiquei estupefato com
essa insensibilidade da Câmara. A Câmara é Casa do povo, tem que ter ouvidos
para o povo.
O
senhor confia em um eventual veto do presidente da República no caso de o texto
ser aprovado no Senado da forma como veio da Câmara?
Cada dia com sua agonia. Eu confio no
Senado brasileiro. Tanto é que por larga maioria a urgência não foi aprovada. É
um sinal claro que o Senado quer diálogo. O Senado é uma instituição que pensa
na República. Quando por larga margem foi recusada a urgência o recado claro
que o Senado passa é que esse assunto é grave demais para ser aprovado na
calada da noite, num subterrâneo sem luz do sol. Cada dia com sua agonia. Nunca
nos recusamos a dialogar.
A
força-tarefa divulgou que poderia renunciar ao trabalho na Lava Jato se esse
projeto fosse aprovado. O senhor divulgou uma nota em sentido oposto, falando
que o MP deve continuar combativo. Já conversou com eles sobre o posicionamento
e a possível renúncia?
Não sei em que circunstâncias eles
fizeram essa declaração, mas meu entendimento é que esse não é momento de
recuo, é momento pra avançar. Estamos fazendo um trabalho profissional,
objetivo e sem medo e isso deve continuar dessa maneira. Nosso trabalho é
apartidário, não tem ideologia e assim deve continuar. A sociedade brasileira
espera de nós não um recuo, mas sim que continuemos caminhando. Não posso dizer
a razão pela qual decidiram fazer essa declaração. Pode ser até no calor da
notícia, porque uma notícia dessas é de estarrecer qualquer um. Todo mundo
agora de cabeça fria, vamos respirar fundo, meditar e dizer: essa é uma luta
longa, que continua agora com sinal claro do Senado que quer conversar sobre
toda essa questão. Depois do Senado, tem o veto da presidência da República e
depois tem o Supremo Tribunal Federal. O caminho é longo. Confio que poderemos
reverter isso e vamos continuar a rediscutir todas essas questões.
O
senhor está na China para uma reunião dos Brics. Falaram sobre combate à
corrupção?
Por proposta da China, os países dos
Brics deverão centrar esforços para investigar casos de corrupção, com o
fundamento que Brasil dá exemplo de que é possível desvendar casos de corrupção
e prosseguir nesses casos independentemente de quem sejam os investigados. Eles
falaram sobre as dez medidas. Imagina quando ficarem sabendo o que o Congresso
brasileiro fez ontem e anteontem? É muita vergonha.
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