Siglas receberam R$ 3,57 bilhões em contas ainda não analisadas pelo
TSE; recursos públicos financiam gastos obscuros e técnicos apontam falta de
transparência
Pedro Venceslau (Enviado especial a Brasília) e Daniel Bramatti
O Estado de S.Paulo
Os recursos públicos repassados aos partidos brasileiros pelo Fundo
Partidário representam uma “caixa-preta” de R$ 3,57 bilhões e financiam gastos
obscuros e, em muitos casos, questionados pela Justiça Eleitoral. Entre as
despesas estão viagens de jatinho, bebidas alcoólicas, jantares em churrascaria
e até contas pessoais de dirigentes.
O valor se refere ao total recebido pelos partidos entre 2011 e 2016,
corrigido pela inflação, e está nas prestações de contas à espera de julgamento
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A estimativa da corte é que o passivo
some aproximadamente 560 mil páginas, divididas em centenas de pastas. As
legendas costumam apresentar notas fiscais sem especificar como, quando, onde e
para qual finalidade foi gasto o recurso público.
Técnicos do TSE ainda tentam avaliar as contas referentes a 2011, que
foram entregues em abril de 2012. O julgamento desse material vai ocorrer no
dia 28 de abril, dois dias antes da prescrição, cujo prazo é de cinco anos – a
partir daí, não é mais possível punir os partidos por eventuais
irregularidades.
O Estado teve acesso aos relatórios já finalizados referentes a 29
partidos que estavam em funcionamento há seis anos. Os técnicos recomendaram a
rejeição das contas de 26 – entre eles PT, PMDB e PSDB. Apenas PRB, PSD e PV
receberam parecer pela aprovação, mas ainda assim com ressalvas.
As irregularidades mais comuns constatadas pelo TSE nos dados de 2011
se repetiram em prestações de contas mais recentes, de 2013 e 2015, segundo
análise feita pelo Estado na documentação. Umas delas é o uso rotineiro de
jatos fretados por dirigentes, com custo até centenas de vezes superior a
viagens em avião de carreira.
Na análise das contas do PDT de 2011, os técnicos questionaram o uso de
aeronaves sem a indicação de itinerário, prefixo, horário de embarque e
identidade dos passageiros. No parecer, o TSE citou, ainda, um entendimento
normativo do Tribunal de Contas da União (TCU): “Um dos requisitos da boa e
regular utilização dos recursos públicos é a economicidade, isto é, a
minimização dos custos”.
Na prestação de contas do PSDB de 2015, porém, aparecem diversas notas
de fretamento da Reale Táxi Aéreo sem essas informações. O presidente nacional,
senador Aécio Neves (MG), costuma voar em aviões alugados. Recentemente, um
jato com o tucano derrapou na pista do Aeroporto de Congonhas, quando ele se
deslocava de Brasília a São Paulo. Na ocasião, o partido informou que aviões
fretados eram usados “ocasionalmente”.
Genérico
Na maioria dos casos, as prestações informam de forma
genérica o serviço prestado. Nas contas do PSB de 2015 há uma nota de uma rede
varejista referente à compra de uma TV Samsung Led de 55 polegadas e definição
4k. Não há informação sobre onde o aparelho é usado. As contas de 2011 do
partido também já tiveram parecer pela rejeição em razão da falta de
informações sobre gastos.
Na prestação de contas do PT daquele ano, os técnicos encontraram notas
de R$ 5 milhões da Santana e Associados Marketing, do marqueteiro João Santana,
que não correspondiam aos “serviços descritos na nota”, segundo o parecer. O
relatório considerou irregular o pagamento.
Nas contas de 2011, o PRP informou que a sua sede nacional ficava na
Rua Santo André, em São José do Rio Preto, interior paulista. Mas contas de
água e luz apresentadas traziam o endereço residencial do presidente Ovasco
Roma Altimari Resende. A sigla também gastou R$ 1 mil em vinhos.
Os técnicos do TSE também rejeitaram uma nota de R$ 160 do PPS
referente a duas garrafas de vinho e outra de R$ 9,50 de uma caipirinha
consumida em um hotel de Brasília. Na prestação de contas do PSDC, as notas
revelaram que a sigla contratou uma empresa de marketing, a 74 Propaganda, e
outra de serviços administrativos, a Maxam, que pertencem a dirigentes do
Diretório Nacional.
Rigor
Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, Silvio Salata
defendeu mais rigor no controle de gastos dos partidos e reconhece que o número
de legendas – 35 atualmente – dificulta a fiscalização. “Se houver desvio de
finalidade, as contas são desaprovadas. A punição é, no máximo, a suspensão do
fundo por um período.”
O advogado Marcos Monteiro, especialista em Direito Público, ressaltou
o conflito entre público e privado na destinação dos recursos. “Os partidos
devem respeitar os princípios da administração pública, como isonomia e
economicidade, mas são considerados organizações privadas. Não há obrigação de
licitação, por exemplo. É dinheiro público que passa para instituição privada”,
disse. Segundo ele, a lei não exige o mesmo rigor na prestação de contas em
anos em que não ocorrem eleições.
O TSE baixou uma resolução exigindo, a partir de abril deste ano, a
digitalização de todas as notas, para publicá-las mensalmente na internet. A
estratégia, segundo o secretário-geral do tribunal, Luciano Felício Fuck, é
olhar para frente e montar uma “força-tarefa” para apurar o montante entre 2012
e 2016.
Enquanto isso, desde 2015, os partidos se articularam para ampliar o
valor do fundo. No ano passado, após a proibição das doações de pessoas
jurídicas e diante do entendimento de que não há espaço para a volta do
financiamento empresarial – principalmente em razão das revelações da Lava Jato
–, líderes no Congresso passaram a discutir a criação de um fundo bilionário
com dinheiro público para custear campanhas.
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