Novos diálogos divulgados por Reinaldo
Azevedo e pelo editor do The Intercept Brasil, Leandro Demori, nesta
quinta-feira (25) revelam proximidade entre o ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Roberto Barroso e o procurador Deltan Dallagnol, a ponto do juiz
ter se tornado uma espécie de consultor do procurador.
A proximidade parece ter se estabelecido,
segundo Azevedo, numa viagem que os dois fizeram a Oxford. Além disso,
conversas de Dallagnol com seus pares evidenciam que o acesso a Barroso é
privilégio apenas seu.
Azevedo divulgou diálogos em que Dallagnol
apela ao, segundo ele, “conselheiro sênior”. Veja abaixo:
“Vagabundos do STF”
Teori Zavascki morreu num acidente aéreo
no dia 19 de janeiro de 2017. Integrantes da Lava Jato iniciam uma articulação
para guindar Roberto Barroso ao posto de relator. Os diálogos deixam claro que
ele conversou a respeito com representantes do órgão acusador — ou, para ser
claro, com Dallagnol.
A estratégia, como revelam os diálogos,
passa por mobilizar aliados na imprensa para plantar informações e, sobretudo,
“queimar” nomes. O grupo queria evitar a todo custo que a relatoria caísse nas
mãos de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski ou Dias Toffoli.
Ainda no dia da morte, o procurador Diogo
Castor de Mattos, que deixou a operação, informa aos colegas uma conjectura do
ministro Marco Aurélio em entrevista. E Castor deixa claro quem é o preferido
da Lava Jato: Barroso. Mas também eram aceitáveis Edson Fachin e Luiz Fux. Ele
só não queria os que considera “vagabundos”. A grafia dos diálogos segue
conforme a grafia que aparece nos chats do Telegram
21:54:41 – Diogo: Marco aurélio disse
agora na rádio q pode cair em qualquer ministro, não sendo a redistribuicao
restrita a segunda turma. Me parece bom, pois aumenta chances de cair com alguém
bom como Barroso, fachin e fux.
No dia 31 de janeiro de 2017, não estava
claro ainda qual seria o procedimento para definir o novo relator da Lava Jato.
Os procuradores articulam freneticamente. Laura Tessler enviara ao grupo um
link de reportagem da Folha afirmando que Cármen Lúcia, então presidente do
STF, pretendia promover um sorteio. Segue diálogo a partir de uma observação
nada lisonjeira de Diogo Castor de Mattos:
09:24:39 – Diogo: 3 em 4 de cair com um
vagabundo
09:37:37 – Laura Tessler: Vamos apostar na
nossa sorte!
10:12:55 – Laura: 3 em 5
10:13:17 – Diogo: E se for o marco
aurekio?
O grupo fica sabendo que será Edson Fachin
a migrar da Primeira para a Segunda turma. Dallagnol desenha, então, a
estratégia, depois de relatar uma opinião que lhe foi passada pelo jornalista
Vladimir Neto, da TV Globo. Na mensagem, o coordenador da força-tarefa informa
que vai mobilizar os tais “movimentos sociais” e propor um tuitasso para
pressionar o Supremo:
12:03:42 – Deltan: Caros, falei ontem com
Vladimir Neto. Ele acha que nenhum jornal está peitando dizer que sorteio na
segunda turma seria loucura, ou falando contra Gilmar, Toffoli ou Lewa, pq se
forem escolhidos o jornal estaria queimado com o relator… Concordo que não
podemos ajudar, mas podemos queimar. Creio que devemos nos manifestar em off
nesse sentido, falando que sorteio é roleta russa e que tememos que Toff, Gilm
ou Lew assumam. Em minha leitura, isso não gerará efeito contrário. O que
acham? Meu receio é não fazermos nada antes (embora o que possamos fazer é
pouco) e depois ficar o caso com um desses. Reclamar depois será absolutamente
inócuo. Os movimentos sociais têm falado sobre isso. Posso falar com eles e
sugerir um tuitasso contra o sorteio, mas o problema é que sem sorteio a
solução de consenso pode não ser boa também… enfim, sugestões? Cruzar os dedos
rsrs? Vou sondar minha fonte enquanto isso
12:04:04 – Deltan: a sessão administrativa
para discutir o critério ou a escolha seria amanhã
12:04:43 – Diogo: acho q devemos fazer
tudo oq for possível
12:04:54 – Diogo: um dos tres na relatoria
da lava jato seria o começo do fim
12:17:45 – Roberson: MPF [procurador
Roberson Pozzobon]: Melhor caminho seria defender que deve ficar com um dos
revisores (Barroso – o que seria ideal – ou Celso – que seria a opção menos
pior na 2a). É fácil de defender racional e juridicamente para a população que
esse é o melhor caminho, já que o caso iria para os ministros que naturalmente
já estão mais familiarizados com a operação.
12:22:15: Creio que nossa manifestação não
seria bem recebida pelo STF. Não vejo muito o que fazer. Eles estão se
encaminhando para o sorteio simplesmente porque não houve possibilidade de
fecharem um nome consensual.
12:24:51 – Paulo: minha opinião: partindo
de nós qq manifestação, não teria nenhum efeito moral sobre o STF (v. resposta
da Carmen Lúcia ao Moro) e, pelo contrário, poderia gerar uma mega-prevenção
contra nós ou ainda vontade de revidar
12:25:13 – Paulo: agora, se houver um
movimento social, sem vinculação conosco, contra o sorteio, aí pode ter algum
resultado…
12:25:35 – Paulo: a questão da roleta
russa, que saiu no antagonista, é uma boa hashtag para insuflar as redes
sociais
Conversa do dia 1º de fevereiro de 2017 dá
conta de que o próprio Barroso tratava com Dallagnol sobre o substituto de
Teori Zavascki. Em conversa com a procuradora Anna Carolina Resende, o ministro
sentia-se alijado do processo.
12:11:18 – CarolPGR: Deltan, fale com
Barroso
12:11:37- CarolPGR: insista para ele ir
pra 2 Turma
12:18:07- Deltan: Há infos novas? E
Fachin?
12:18:11- Deltan: Ele seria ótimo
13:54:21- CarolPGR: Vai ser definido hj
13:54:33- CarolPGR: Fachin não eh ruim mas
não eh bom como Barroso
13:54:44 – CarolPGR: Mas nunca se sabe
quem será sorteado
13:56:40- CarolPGR: Barroso tinha q entrar
nessa briga. Ele não tem rabo preso. Eh uma oportunidade dele mostrar o
trabalho dele. Os outros ministros devem ter ciúmes dele, pq sabem que ele
brilharia na LJ. Ele tem que ser forte e corajoso. Ele pode pedir p ir p 2
turma e ninguém pode impedi-lo. Vão achar ruim mas paciência, ele teria feito a
parte dele
14:11:37 – Deltan: Ele ficou alijado de
todo processo. Ninguém consultou ele em nenhum momento. Há poréns na visão dele
em ir, mas insisti com um pedido final. É possível, mas improvável.
14:30:16 – Deltan: Mas sua mensagem foi
ótima, Caroll
14:30:24 – Deltan: Por favor não comente
isso com ninguém
14:30:25 – Deltan: Please
14:30:29 – Deltan: Ele pediu reserva
14:30:31 – Carol PGR: clarooo, nem se
preocupe
14:30:45 – Carol PGR: só lhe pedi para
falar novamente com ele porque isso está sendo decidido hoje
14:30:52 – Deltan: Foi o tom do meu último
peido
14:31:18 – Carol PGR: vamos rezar para Deus fazer o melhor
14:32:22 – Carol PGR: mas nosso
mentalização aqui é toda em Barroso
Esse trecho acima já foi publicado por The
Intercept Brasil. Deltan sabia que a conversa que manteve com Roberto Barroso
nada tinha de republicana. Daí o apelo para que fosse mantida em sigilo.
O indulto de Natal de Temer
Quando o então presidente Michel Temer
tornou público seu indulto de Natal de 2017, a Lava Jato divulgou que a medida
teria sido feita com o intuito de beneficiar condenados da Lava Jato.
Cármen Lúcia, então na presidência do STF,
suspendeu parcialmente parte do decreto, numa afronta explícita ao Artigo 84 da
Constituição, que trata das prerrogativas do presidente. Diogo Castor havia
escrito um violento artigo contra o ato presidencial. Dallagnol revelou a
colegas parte das conversas confidenciais que mantinha com Barroso.
28 de dezembro de 2017
13:46:56 – Laura Tessler: Diogo, parabéns
pelo artigo. Ficou muito bom.
13:50:32 – Diogo: Obrigado Laura!
17:03:20 – Deltan: Saiu a liminar. Carmem
Lúcia suspendeu parcialmente o decreto.
17:05:30 – Deltan: Caso distribuído para
Barroso
17:05:52 – Deltan: Que cá entre nós me
escreveu elogiando o artigo sobre o indulto
17:06:13 – Deltan: A distribuicao pro
Barroso foi o que pedi a Deus!!
O ministro, portanto, trocava confidências
sobre um caso de que virou relator com um membro do mesmo MPF que havia
recorrido contra o decreto.
Tropa Auxiliar de Barroso
Barroso determinou, no dia 29 de março de
2018, a prisão de José Yunes, ex-assessor do então presidente Michel Temer.
Depois de repassar a notícia do G1 com a informação, Deltan emendou: “Barroso
foi para guerra aberta. E conta conosco como tropa auxiliar”.
70 medidas contra a corrupção
De acordo com os diálogos, as “70 Medidas
Contra a corrupção”, encampadas por Dallagnol e pela Transparência
Internacional também passaram pelo escrutínio de Barroso. Deltan escreve num
chat privado no dia 28 de maio de 2018:
22:54:18 – Deltan: Caros, comentei com
Bruno, mas isso tem que ficar entre nós três, please. Hoje falei com Barroso,
que gostou muito da ideia das medidas e da campanha da TI e vai divulgar.
Passei pra ele os arquivos e materiais.
“Bruno” é Bruno Brandão, da Transparência
Internacional, que evidencia, com a divulgação dos diálogos revelados por The
Intercept Brasil, uma proximidade com a força-tarefa e com Dallagnol que
deveria ser considerada incômoda para um ente que se quer independente da
política.
O Conselheiro
No dia 21 de maio, Dallagnol informa que
vai a uma de suas famosas palestras, desta vez acompanhado de Barroso. Não
consegue esconder o entusiasmo. Escreve aos colegas:
09:03:11 – Deltan: Yep. Pela manhã, palestra
na FIEP. Tentarei falar com Barroso, nem que seja no almoço, mas não sei se
haverá momento propício. Questoes a abordar?
09:10:20 – O principal é saber qual é o
clima do STF em relação a nós.
Ataque ao STF
Em abril de 2019, Barroso concedeu uma
palestra na Universidade de Columbia, em Nova York, e atacou o Supremo de modo
espantoso. Sugeriu que o achincalhe de que era alvo o tribunal era bastante compreensível,
quem sabe justo. Disse: “A pergunta que me faço frequentemente é por que o STF
está sob ataque, por que está sofrendo esse momento de descrédito. Bem, o que
acho que está acontecendo é que há uma percepção em grande parte da sociedade e
da imprensa brasileira de que o STF é um obstáculo na luta contra a corrupção
no Brasil”.
O procurador Júlio Noronha posta no
Telegram, no dia 25 de abril, link com reportagem da Folha. Deltan expressa,
mais uma vez, seu apreço pelo pai intelectual:
20:49:58–Julio Noronha: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/04/stf-esta-sob-ataque-e-sofre-momento-de-descredito-afirma-barroso.shtml
22:10:11 – Deltan: Engracado o momento em
que quem nos desagrava é outro ministro e não a PGR
22:10:24 – Deltan: Um Barroso vale 10 PGRs
Dez Medidas Contra a Corrupção
As “Dez Medidas Contra a Corrupção”
inventadas por Dallagnol vieram a público na forma de um projeto de lei de
origem popular — uma mentira muito bem urdida com apoio de setores da imprensa.
Quatro delas tinham características obviamente fascistoides — virtual extinção
do habeas corpus, licença irrestrita para prisões preventivas, aceitação de
provas colhidas ilegalmente e teste de honestidade —, mas o garotão não
hesitou: passou para papai Barroso a sua mais deletéria criação. No dia 26 de
julho de 2016, informa em conversa com a procuradora Luciana Asper — todas as
transcrições serão feitas sempre conforme o original:
21:59:17- Deltan: Luciana, passei as 10
medias pro Min. Barroso, que tende a ser simpático a elas, pelo menos em sua
maior parte. Ele se intererssou e disse que lerá no recesso…. é um apoio em
potencial
Estreitando Laços
No dia 13 de maio de 2017, a procuradora
Anna Carolina Resende pergunta se Dallagnol está em Oxford nestes termos:
“Deltan, vc tá em Oxford? Vi que Barroso foi e me lembrei q foi aí q vcs
estreitaram laços.”
A amiga de Deltan já havia percebido o tal
estreitamento. Com efeito, ele havia se dado no ano anterior, quando ambos
estiveram em Oxford. No dia 19 de junho de 2016, Deltan informa à sua mulher:
“Estamos passeando aqui com o ministro barroso”.
Escritório de Barroso defendia Dallagnol
O escritório “Barroso Fontelles,
Barcellos, Mendonça Advogados” (ex-“Luís Roberto Barroso & Associados”),
hoje conduzido por um sobrinho seu — fazia a defesa do coordenador da Lava Jato
nos procedimentos que há contra este no Conselho Nacional do Ministério
Público. Os advogados Eduardo Mendonça e Felipe de Melo Fonte decidiram deixar
a causa.
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