Ao
reduzir o caso a um lamentável episódio de troca de tiros, investigação
desconsidera uma longa história de violência e violações contra os Guajajara e
seu território.
O Conselho Indigenista Missionário –
Cimi vem a público repudiar a conclusão da Polícia Federal no inquérito cuja
finalidade foi investigar a execução do indígena Paulo Paulino Guajajara e o
ataque ao indígena Laércio Sousa Silva, baleado no braço, conforme divulgada
pela imprensa. O fato ocorreu no dia 1º de novembro de 2019, no interior da
Terra Indígena (TI) Araribóia, nas proximidades da aldeia Lagoa Comprida, a 86
km do município de Amarante do Maranhão.
Conforme o relato feito pelo
sobrevivente Laércio, os indígenas foram vítimas de uma emboscada enquanto
caçavam dentro do seu território. Segundo ele, quando pararam para tomar água,
ouviram barulho no mato e logo em seguida os tiros. Paulo Paulino tombou no
local após receber um tiro no ouvido, não havendo tempo para se defenderem.
Laércio se protegeu atrás de uma árvore, sendo alvejado nas costas e no braço
direito, conseguindo escapar com o quadriciclo que estavam usando na caçada a
porcos do mato. Laércio assegurou que não avistou nenhum corpo de não indígena
caído no local.
É de conhecimento geral que os Guajajara
da TI Arariboia, bem como outros povos indígenas, atuam como Guardiões da
Floresta nas TIs Alto Turiaçu, Caru, Governador, Krikati e Pindaré, realizam
ações de proteção do seu território e são reconhecidos pela Funai e pelo Ibama
para realizar essas ações, uma vez que o Estado, que deveria proteger e
fiscalizar seus territórios, não o faz. É sabido também que, por conta da
atuação dos Guardiões, os indígenas têm recebido ameaças, e em 2016, quatro
indígenas Guajajara foram assassinados dentro da Terra Indígena Arariboia. Dois
deles eram Guardiões e nenhum desses casos foi investigado pela Polícia
Federal.
Foi também neste contexto que, em 2007,
Tomé Guajajara, liderança de 60 anos, foi assassinado por madeireiros na aldeia
Lagoa Comprida, no interior da TI Arariboia e, em 2008, Maria dos Anjos
Guajajara, de apenas sete anos de idade, foi assassinada enquanto assistia
televisão em sua casa, na aldeia Anajá, localizada no mesmo território. Em
ambos os casos, as aldeias foram invadidas por madeireiros em represália às
ações de fiscalização e denúncia dos indígenas.
Nos últimos vinte anos, o Cimi registrou
o assassinato de pelo menos 47 indígenas do povo Guajajara no Maranhão. Destes,
18 eram da TI Arariboia.
Embora a situação nas terras do povo
Guajajara tenha se agravado recentemente, o ambiente de violência e insegurança
também afeta os demais povos indígenas do estado do Maranhão, sejam aqueles que
vivem em terras demarcadas, como a TI Alto Turiaçu, que viu Euzébio Ka’apor ser
assassinado em 2015 após ações autônomas de fiscalização e denúncia contra
madeireiros, sejam os que ainda lutam pela regularização de seus territórios
tradicionais, como o povo Akroá Gamella, vítima de um atentado que deixou mais
de vinte feridos em abril de 2017.
Questionamos se esse contexto foi levado
em consideração pela Polícia Federal ao concluir que “foi possível afastar as
hipóteses relacionadas a conflitos étnicos ou mesmo por emboscada de
madeireiros a indígenas, tudo convergindo para a conclusão de que o lamentável
episódio se originou da troca de tiros motivada pela posse de uma das
motocicletas utilizadas pelos não indígenas”, segundo passagem de uma nota da
PF divulgada pelo site do jornal O Globo.
O que faziam os madeireiros no
território indígena, fortemente armados, numa área regularizada e de usufruto
exclusivo dos povos indígenas?
Historicamente há conflito étnico por
conta da retirada ilegal de recursos naturais de dentro do território, e as
vítimas são sempre os indígenas. Se não foi emboscada, tampouco foi confronto.
O que faziam os madeireiros no território indígena, fortemente armados, numa
área regularizada e de usufruto exclusivo dos povos indígenas?
A Polícia Federal, ao reduzir o
assassinato de Paulino Guajajara a um lamentável episódio de troca de tiros,
desconsidera uma história de mais de 40 anos de conflitos com madeireiros nesse
território, ao longo dos quais os indígenas vêm sendo assassinados e tendo seus
territórios destruídos sem que nenhum assassino seja punido.
Ao desprezar o contexto de violência e
de violações aos direitos e territórios indígenas, mesmo quando se trata de
terras indígenas já demarcadas, a Polícia Federal demonstra sua opção política
pela criminalização dos povos e de seus processos de luta por direito e por
território, naturaliza o racismo institucionalizado pelo Estado e acaba por
reforçar, com esta posição, as políticas de extermínio dos povos originários.
Exigimos uma investigação que considere
as identidades, os direitos, os indícios e as vozes dos próprios povos, e que
acabe com a impunidade dos que matam e mandam matar os povos indígenas e suas
lideranças. Repudiamos ainda a atuação de parte da mídia que, ao reproduzir os
argumentos falaciosos, reforça a criminalização e a posição desse governo e
desse Estado etnocida.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
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