Em
carta interna, procurador-geral da República diz que instituição tem dois
desafios, manter a imparcialidade e a coesão interna
No dia em que deu o mais ousado e
decisivo passo da Lava Jato contra a corrupção – apresentando 83 pedidos de
inquéritos ao Supremo Tribunal Federal contra ministros do governo Temer,
deputados e senadores -, o procurador-geral da República Rodrigo Janot escreveu
uma carta a seus pares em que aponta para ‘a triste realidade de uma democracia
sob ataque’.
Detalhes da carta foram revelados pelo
repórter Vladimir Netto, no Jornal Nacional, da TV Globo.
Janot destacou que a Instituição tem
dois desafios: manter a imparcialidade e zelar pela coesão interna.
O procurador apontou que as delações de
executivos e ex-executivos da empreiteira Odebrecht ‘mostram a triste realidade
de uma democracia sob ataque, tomada pela corrupção e pelo abuso do poder
econômico e político’.
Ele relatou aos colegas da Procuradoria
que apresentou 320 pedidos ao Supremo, sendo 83 de abertura de inquérito.
Comprometeu-se a manter a condução da
Lava Jato ‘sob o compasso da técnica e com a isenção que se impõe’.
Na carta aos procuradores, Janot afirma
ser ‘um democrata convicto’ e que continua na ‘sua missão de defender o regime
democrático e a ordem jurídica’.
Segundo ele, o sucesso das investigações
até aqui ‘representa uma oportunidade ímpar de depuração do processo político
nacional para aqueles que acreditam ser possível fazer política sem crime e
para aqueles que crêem que a democracia não é um jogo de fraudes, mas sim um
valor essencial ao desenvolvimento de um país’.
A
CARTA DE JANOT:
Colegas,
Gostaria de prestar diretamente a vocês
algumas informações sobre o trabalho realizado a partir da colaboração da
empresa Odebrecht, no âmbito da investigação Lava Jato, considerando a
relevância do caso, sua magnitude e seus impactos para o futuro da Instituição.
Como já é de conhecimento geral, no fim
do ano passado, firmamos um grande acordo de colaboração com a empresa e com
diversas pessoas físicas que integram seu corpo diretivo. No total, 77
executivos e ex-executivos da Odebrecht firmaram o acordo e prestaram
declarações em que revelam os meandros da corrupção em nosso país de forma
jamais imaginada. Isso sem falar nos acordos de leniência firmados com as
empresas do grupo.
A preparação do acordo exigiu a
realização de pelo menos 48 reuniões entre as partes, no período de fevereiro a
dezembro de 2016. Na sequência, envolvemos mais de 100 colegas, em 34 unidades
do Ministério Público Federal, para colher os 950 termos de declaração dos
colaboradores em apenas uma semana.
Esse trabalho exigiu de todos nós
envolvidos no processo um esforço sobre-humano para colher-se os depoimentos,
organizá-los, elaborar petições e, por fim, encaminhar todo o caso ao Supremo
Tribunal Federal. Todas essas tarefas foram ultimadas em apenas 15 dias, de
modo que, antes do recesso, o material já estava à disposição da Corte para
exame e homologação.
Por óbvio, um trabalho dessa envergadura
só poderia ser fruto de uma equipe realmente comprometida com as graves
responsabilidades que pesam sobre a Instituição. Não só o Grupo de Trabalho que
me auxilia, como também os colegas da Força-Tarefa de Curitiba, em um trabalho
de colaboração mútua, viabilizaram o êxito dessa empreitada. Preparamos, GT-PGR
e FT-Curitiba, toda a logística necessária para elaborar, revisar, assinar os
acordos e colher os 950 termos de declaração que, em seguida, foram
encaminhados ao STF, por petições, para homologação.
Os termos dos 77 acordos celebrados
foram homologados no fim do mês de janeiro pela Ministra-Presidente, Cármen
Lúcia. Desde então, as dedicadas equipes do GT-PGR e da FT-Curitiba trabalharam
incessantemente para organizar o material e dar o tratamento jurídico adequado
e individualizado a cada caso.
Ainda como efeito do acordo celebrado,
realizamos, sob a liderança do MPF, no mês de fevereiro, reunião com chefes de
10 Ministérios Públicos ibero-americanos e reuniões específicas com um MP
africano para tratarmos das repercussões do caso Odebrecht naqueles países, já
que parte dos fatos revelados nas colaborações e acordos de leniência dizem
respeito a atos de corrupção ocorridos naquelas jurisdições estrangeiras.
Podemos, com isso, dizer que antecipamos em 3 anos o objetivo previsto no
Planejamento Estratégico Institucional de ser o Ministério Público Federal
reconhecido nacional e internacionalmente pela excelência na atuação no combate
ao crime e à corrupção.
Dos pedidos de homologação encaminhados,
originaram-se 320 providências requeridas ao STF, assim distribuídas: 83
pedidos de instauração de inquérito, 211 pedidos de declínio de atribuição, 7
promoções de arquivamento, 19 outras providências.
Por esse trabalho extraordinário,
gostaria de publicamente empenhar meu sincero agradecimento e respeito aos
colegas do Grupo de Trabalho – PGR e da Força-Tarefa – Curitiba. Agradeço
profundamente aos membros que nos auxiliaram, a partir de suas unidades, na
coleta dos depoimentos, sem prejuízo de suas atribuições ordinárias, e aos
dedicados servidores que trabalharam arduamente nas tarefas de logística
fundamentais para o sucesso do empreendimento.
Devo ainda ressaltar, para reflexão
geral, que, sem uma equipe de natureza permanente e composta por membros para
apoio ao Procurador-Geral da República, seria impossível levar a bom termo as
graves responsabilidades do cargo que ora desempenho, em prejuízo não só do MPF
como de todo o Ministério Público brasileiro.
Eis assim um relato objetivo do que
representou, em tempo e números, o acordo da Odebrecht. Poderia encerrar o
texto por aqui, mas a singularidade do momento impõe-me tecer ainda algumas
considerações sobre os reflexos metajurídicos decorrentes desse acordo
histórico.
A expectativa em relação ao
encaminhamento que daríamos aos depoimentos decorrentes do acordo da Odebrecht
tem provocado muita apreensão no meio político, na imprensa e na sociedade de
forma geral. As revelações que surgem dos depoimentos, embora já fossem
presumidas por muitos, lançadas assim à luz do dia, em um procedimento formal
perante a nossa Suprema Corte, nos confrontarão com a triste realidade de uma
democracia sob ataque e, em grande medida, conspurcada na sua essência pela
corrupção e pelo abuso do poder econômico e político.
Certamente o MPF terá dois desafios
institucionais a vencer a partir de hoje: manter, como sempre o fez, a
imparcialidade diante dos embates político-partidários que decorrerão do nosso
trabalho e velar pela coesão interna. Não temos a chave mágica para a solução
de todos os problemas revelados com a Lava Jato – especialmente agora, com a
colaboração da Odebrecht –, mas, na parte que nos compete, asseguro a todos
vocês que continuarei a conduzir o caso sob o viés exclusivamente jurídico, sob
o compasso da técnica e com a isenção que se impõe a qualquer membro do
Ministério Público.
Por fim, é preciso ficar absolutamente
claro que, seja sob o ponto de vista pessoal – sou um democrata congênito e convicto
–, seja sob a ótica da missão constitucional do MP de defender o regime
democrático e a ordem jurídica, o trabalho desenvolvido na Lava Jato não tem e
jamais poderia ter a finalidade de criminalizar a atividade política. Muito
pelo contrário, o sucesso das investigações sérias conduzidas pelo MPF até aqui
representa uma oportunidade ímpar de depuração do processo político nacional,
ao menos para aqueles que acreditam verdadeiramente que é possível, sim, fazer
política sem crime e que a democracia não é um jogo de fraudes, nem instrumento
para uso retórico do demagogo, mas um valor essencial à sociedade moderna e uma
condição indispensável ao desenvolvimento sustentável do nosso país.
Coragem e confiança!”
Forte abraço.
Rodrigo Janot
Com informações de O Estado de São Paulo
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